20 anos de Guga: Entrevista

Hoje completam 20 anos que Guga conquistou os franceses e o mundo com seu jogo. Nosso blog Bolas&grips replica essa entrevista do Manezinho da Ilha. 
fonte: www.tenisbrasiluol.com.br
Veja a entrevista completa com Guga sobre os 20 anos do seu primeiro título de Roland Garros:
Como você vê hoje aquele feito de 20 anos atrás? Qual o significado que ele tem para você? 
Hoje a observação é bem mais profunda, a gente consegue entender melhor a dimensão e a importância de Roland Garros e todo esse universo que se abriu na minha vida a partir daquelas duas semanas. No momento era um desbravamento das novas experiências e uma surpresa enorme de estar vivendo aquela alegria. Agora dá para perceber com clareza que foi a maior façanha da minha vida, ganhei de jogadores muito melhores do que eu naquele momento. Só fui me equiparar com eles dois ou três anos depois. 
Houve uma série de coincidências e acasos para que aquele título acontecesse, mas também existia um projeto muito bem elaborado e pronto para que isso acontecesse, talvez não tão precocemente como foi naquele ano de 1997, foi muito absurdo esse título. Se jogar mais 100 mil vezes não ganho de novo, foi uma situação meio absurda ganhar de quatro campeões. Quando olho hoje vejo essas coisas, eu era um garoto que de fato não deveria estar preparado para realizar tudo aquilo. Nós conseguimos meio que colocara tudo para pegar no tranco instintivamente. Conseguir manter isso até o fim do campeonato foi muito absurdo. Foi emblemático e sacramentou as dúvidas que eu tinha se poderia chegar ao máximo do tênis. 
Você já parou para rever estes jogos? Com que frequência assiste a eles de novo? 
Muito raro eu assistir alguma coisa, acontece quando passa na televisão ou casualmente nas mídias sociais, quando pinta algum vídeo com alguns segundos. Nunca parei para ver um inteiro, não tenho paciência para isso, se for ver basta eu colocar na hora H que eu já sei o que importa, aí vejo um ou dois games. Vejo apenas uns 5 ou 10 minutos.  
Agora, antes de fazer a entrevista com a Globo, pela primeira vez eu vi depois do feito, sempre parava na parte que estava comemorando e indo para a rede. Fiquei assistindo e vendo como era interessante, parecia algo bem natural (vencer um Slam) para a minha cabeça e era improvável que fosse dessa forma, talvez isso tenha sido a chave do sucesso. Por outro lado não fazia muito sentido, eu lá com o bonezinho para trás e esperando todo tranquilo para levantar o troféu de Roland Garros. Acertamos tudo o tempo todo com um só cartucho, toda hora era um tiro certeiro e por isso que deu certo. 
Ficou fácil depois criar esse diálogo com Roland Garros, pois quando eu venci não teve toda aquela fantasia, foi uma felicidade descomunal, mas o torneio não me assustava. Ali na comemoração foi um sentimento de realização enorme, de convicção do que estava fazendo. É de ficar um pouco abismado ver a forma como eu consegui vencer os desafios que o torneio me trouxe desde o início até o fim. Como estão as memórias daquela final na sua cabeça? Você lembra dele do começo ao fim ou mais apenas dos momentos importantes? 
Às vezes temos muitas convicções que são um pouco distorcidas do que foi a realidade, de tão grande que é a sensação e a certeza do que foi a trajetória do jogo. Quando vejo um ponto já consigo lembrar dos próximos três ou quatro e as coisas vão aflorando na cabeça, mas no dia a dia as partidas não estão na cabeça, ficam lá guardadas na memória. Lembro que contra o Kafelnikov eu comecei espantoso, acertando tudo, e ele ficou assustado, depois começou a jogar muito bem e o jogo ficou de igual para igual, aí ele tomou a dianteira, ganhou o segundo e o terceiro. Eu passei a arriscar mais e então é essa a linha de raciocínio que eu tenho, vou falando e parece que entro na quadra e os pontos e as sensações vão surgindo. O sentimento é a coisa mais inesquecível, é o que fica grudado pelo resto da vida. 
Em algum momento você teve a convicção de que não tinha como perder aquele título? 
Quando eu saí daquela vitória contra o Kafelnikov, ainda dentro de quadra, eu tinha esse filme montado na minha cabeça de que o troféu iria ser meu. Não deveria ser assim, ainda tinha Bruguera ou Rafter, mas está certo que com a minha semifinal (contra o belga Filip Dewulf, vindo do quali) eu poderia ser mais pretencioso, mas devia estar longe das minhas pretensões ganhar o campeonato. Só que pensamos assim e talvez tenha sido isso o determinante. O jeito que eu entro em quadra contra o Bruguera dá para ver que estou lá para ser campeão e não estou satisfeito por chegar em uma fina. Olhando hoje vejo que não tinha sentido isso, precisava estar duvidando um pouco mais.  
Você lembra qual foi a primeira coisa que passou na cabeça assim que a final acabou? 
Foi uma sensação de alívio pelo dever cumprido, uma realização por completo. Conseguimos, não tem mais u passo, já chegamos lá. Consegui saborear bastante o título, dava para perceber 10 minutos atrás que eu seria campeão, o ainda Bruguera já estava nas cordas. Eu só não podia fazer nenhuma lambança maior e me manter equilibrado na partida que o título era meu. Tive essa condição de jogar alegre e feliz, nisso eu termino a partida tentando passar tudo isso para aqueles que estavam ao meu lado. Foi o título que mais teve participações complementares para poder me ajudar no dia a dia. Também teve a parte espiritual do meu pai, trazendo a sensação dele ali na quadra. 
Na premiação estava o sueco Bjorn Borg, um dos maiores ícones do tênis... 
Era o maior vencedor do torneio até então.
Como que foi para você receber o troféu das mãos dele? Deixou a conquista ainda mais especial? 
Foi uma nova surpresa, quando o vi quase caí duro. Não sabia se vinha um campeão ou nada, eu não sabia qual era o protocolo de Roland Garros. Ver o (Guilermo) Vilas já era assustador, mas ele estava mais presente no vestiário, mas quando vi o Borg pensei: "pô, que é isso!". Era tudo tão efêmero para mim, além de ter a necessidade de ficar mais na minha naquela final, que quando vi o Borg fiquei surpreso e até esqueci do troféu (risos) e só queria cumprimentá-lo.Qual foi a importância desta conquista não apenas para a carreira, mas para a vida como pessoa? 
Foi a grande transformação. Ela envolve um pouco de tudo, tanto o atleta como a pessoa. Virei uma figura do mundo, mas consegui preservar o lado pessoal, de ter o meu espaço e com isso facilitou a minha vida como tenista também. Além do mais, acabei abreviando em uns dois anos as minhas experiências, tudo aconteceu em três ou quatro meses. Também tornei certas algumas ideias que ainda eram duvidosas, como até onde eu poderia chegar e se poderia enfrentar jogadores do alto escalão. Outro ponto foi gerenciar a expectativa, pois queria vencer de novo um Grand Slam, ganhar de todo mundo, mas eu não era ainda esse tipo jogador. 
O Larri (Passos) foi muito importante para me deixar no trilho e com o acúmulo de experiências as coisas foram se encaixando. Foi uma coisa extremamente ocasional, mas não foi ao acaso, não foi por acaso que acabei ganhando Roland Garros, fizemos tudo certo. É que para fazer tudo certo de novo não ia dar. Tudo encaixou como uma luva para chegar àquela vitória, em que o garoto acaba virando o ídolo, o homem o tenistas e mistura tudo. A filosofia de viver continuou a mesma, mas a vida mudou por completo, tinha 10 novas coisas para fazer a cada uma hora. 
Como foi acordar no dia seguinte campeão de Grand Slam? E como foi se adaptar a essa nova realidade? 
A diferença é que tem um grau de entusiasmo e felicidade que é sublime, mas na verdade é tudo igual, é o mesmo cara desengonçado que está ali. A forma de viver é a mesma, apesar do estímulo que é brutal e imenso. Com relação aos compromissos a diferença é que precisava de mais empenho para fazer essas coisas, mas também era a consequência de algo que eu sempre busquei, não era algo que foi de cima para baixo. O duro mesmo foi gerenciar as expectativas, saber que eu não era aquele jogador extraordinário, que eu só seria mesmo em 1999 e 2000, só que na minha cabeça eu queria voltar a jogar daquela forma.  
Foi duro e muito frustrante em alguns momentos, perdi partidas em que jogava mal, mas depois voltava a jogar bem....era uma montanha russa de aprendizado. A vantagem é que tinha uma equipe preparada para essa fase, para lidar com esse momento e me dar tranquilidade para jogar. Na segunda-feira depois do titulo nós decidimos que eu seria número 1 do mundo, que um dia eu chegaria lá. Aí é que vemos que não há espaço para deslumbramento, era algo natural, mas decidimos deixar o barco andando, transformando aquilo em um ponto de largada.Você recorda o que estava passando na cabeça um dia antes de entrar em quadra para sua primeira final de Grand Slam? 
Saindo das quartas de final eu entrei nesse mantra do campeão e nada me abalava muito. Já havia passado pela ansiedade de enfrentar o Muster, o Medevedev me parecia assustador e até mesmo em pensar se contra o Bjorkman ia dar.  E ainda teve o extremo que foi encarar o Kafelnikov, que era impossível. Fui para a semifinal pensando no que tinha que fazer para ser campeão e na final foi a mesma coisa, estava tudo muito sob controle e de uma forma completamente improvável. Estava fazendo tudo como antes, sem perder tempo e sem superstição nenhuma. Eu era um garoto meio maluco para pensar desta forma, mas o torneio foi me dando condições de ser assim, tinha passado dos caras mais difíceis. 
Podemos dizer que dos três títulos este é o que você guarda com mais carinho? 
Seguramente o terceiro foi o menos empenhoso, o de menor dificuldade, independente dos placares, tanto que cheguei até a salvar match-point, mas sabia que podia ganhar Roland Garros de uma forma natural. O segundo também me desafiou bastante, era duvidoso se dava para voltar a vencer, porque o primeiro foi muito inusitado. Como jogador o de 97 foi anos-luz de maior dificuldade, pelo lado da façanha em me inclinaria por ele, mas talvez pela força de dedicação e pela final com o Norman, que foi uma das mais malucas de oscilação que tive dentro de quadra, talvez a balança penda para 2000. Jogar sem pressão em 97, mesmo a façanha sendo maior, talvez ter que vencer como favorito seja mais difícil mesmo. Mas se parar para pensar mesmo, o segundo foi o mais complicado, a vantagem do primeiro é que não consegui enxergar uma série de dificuldades. Até mesmo porque tinha também a pressão de jogar como favorito e em 97 não fomos lá para dar.
Ser pai e ganhar um Grand Slam são emoções comparáveis? Você pensa em ter um terceiro filho para com o número de títulos de Roland Garros? 
(Risos) Eu nunca tinha pensado nisso. Sem dúvida que são duas coisas totalmente complementares, é uma coisa que só acrescenta. Ser pai é muito mais do que o tênis e da felicidade que a gente encontra dentro da quadra, é uma vida que continua através das ações deles. O diálogo com o tênis foi a coisa mais linda que aconteceu na minha carreira, na hora que para lembrar as emoções vêm com muita facilidade, porque eu amei muito fazer tudo aquilo, com Roland Garros então era um grau de envolvimento que nenhum outro jogador teve. O esporte da grandes ensinamentos para levarmos para o dia a dia e eu trago isso para o convívio com as crianças. Quanto ao terceiro filho, eu não tinha pensado nisso, vou conversar com a minha esposa.





Comentários